Pressupostos Psicanalíticos Conteporâneos de uma Revolução Social, Cultural e Política no Brasil.
Atualizado: 19 de out. de 2021
Os intensos conflitos sociais atuais, sejam a favor ou contra o poder politicamente estabelecido, visam promover, dentro da sua percepção de necessidades, mudanças ou a manutenção das instituições econômicas, culturais e morais, para o momento. Este fenômeno, porém, só é possível mediante a manipulação da massa direcionada pelo objetivo de uma liderança, que semeia o objetivo através dos meios necessários, incitando a ânsia social ao alcance do modelo visto como adequado ao interesse comum.
Para compreensão desse movimento social, é possível resgatarmos algumas das reflexões psicanalíticas freudianas, especialmente acerca da formação e educação do ser humano, pois estes são os pressupostos da personalidade que se assentam em teorias e utopias. Nesse contexto, tais manifestações sociais foram explicadas por Freud no livro "Psicologia das Massas e Análise do Ego"[1], publicado em 1921, onde o autor faz importantes considerações sobre o fenômeno psicológico da coesão que se cria na massa de pessoas.
E mesmo passados mais de 100 anos, Freud continua assertivo ao nos dizer sobre os riscos desse fenômeno coletivo, que se mantém extremamente vivo e muito mais ativo com a estrutura das redes sociais atuais, criando uma contingência social/tecnológica mais perigosa do que aquela que o consagrou como pai da psicanálise e uma das principais mentes do século XX
Para Freud, a massa é a “revivescência da horda primitiva”, ou seja, o processo de reviver o pai dos primeiros tempos, que é um “líder narcisista” que não ama ninguém, um “líder temido” e que, mesmo assim, é o ideal. Essa teoria freudiana afirma que, quando uma pessoa se torna membro de uma multidão, a mente fica liberta porque no inconsciente as restrições do superego são relaxadas. Dessa forma, o indivíduo assume uma única tendência, a de seguir o líder carismático da massa.
Importa, portanto, analisar esse conceito de massa à luz do contexto brasileiro atual, principalmente político, sob a perspectiva de participação do indivíduo nas redes sociais, com a expressiva imediatidade, e alcance infinito de número de seguidores, constituindo o grupo social. Sem falar, ainda, nos desafios que a sociedade contemporânea necessita superar, para se inibir a afronta ao direito à privacidade, juntamente com o sabido crescimento populacional[2].
Na época de gestação da obra de Freud, o contexto era de irracionalismo dos movimentos políticos de massa - fascismo e o comunismo - explicados por conceitos psicanalíticos como libido e regressão. Mesmo assim, foi uma época de mudança de valores, de libertação da mulher, de festas exuberantes regadas à bebida alcoólica[3], tornando-se a década conhecida como “anos loucos” e da juventude “geração perdida”, pelo modo de vida tido por alienado e superficial[4].
Tudo isso, explica o conceito freudiano de que as relações que moldam o indivíduo, desde a sua infância, são fenômenos sociais, e estes fenômenos, também, são os que moldam os indivíduos. Isto porque, o mundo é socialmente composto das características culturais e das estruturas sociais, institucionais ou morais, que fundamentam e guiam o comportamento individual na sociedade.
Sobre isto, até o ano 1917, quando da sua morte, também escreveu Émile Durkheim[5], em grande parte divulgado na revista "L'Année Socilogique", de 1889 a 1912, ao desenvolver o conceito de “fatos sociais”, na concepção de que são estruturas que tendem a se repetir em diferentes sociedades, prevendo que, pelo “senso comum” ou tradição, não se pode jamais entender cientificamente as estruturas sociais, que são o que ordenam o desenvolvimento do mundo humano.
No conceito de “fato social”, Durkheim também tratou da “coesão social”, referida por Freud na "Psicologia das Massas e Análise do Eu". Disso, extrai-se a necessária análise da geração das formas de coesão, que formam diferentes tipos de solidariedade em sociedades pré-capitalistas e pós-capitalistas, como as que vemos no Brasil, apesar de opiniões divergentes de alguns setores, de que “o maior atraso brasileiro é a sua classe dominante que se pensa liberal, mas ainda mantém relações pré-capitalistas e servis com o restante da sociedade....”[6].
Dessa análise freudiana, extrai-se que o indivíduo dentro das massas passa a se sentir extremamente poderoso, e perde o seu medo investindo-se a partir daí de uma espécie de superpoder. E há, ainda, o contágio pela “sugestão”, no sentimento de sempre estar na mesma direção, firmando-se no fato de que o que um faz, sugere-se para os outros fazerem, em imitação inconsciente de que se permaneça em harmonia com o coletivo.
Um outro aspecto, mais prejudicial e perigoso à ordem social, é a indeterminação e irresponsabilidade da massa. Isto porque, a presença do anonimato no integrante do grupo torna a massa irresponsável, e a partir desse pressuposto ela age em um módulo mais solto, mais “id”, segundo aponta Sigmund Freud.
Para o pai da psicanálise, a massa de pessoas não conhece dúvida ou incerteza, de modo que a “causa” defendida por ela não é questionada, pois as pessoas ficam homogêneas, exigindo unicamente de seus líderes a aplicação da força. Cita que “Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade. Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que para ela é uma espécie de fraqueza. O que exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo, inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição.”
Ou seja, a massa não questiona o líder se a diretriz dele é para algo virtuoso, e sim esperam dele a capacidade de liderança e força. Para tanto, como fenômeno central do líder da massa, deseja-se que ele seja uma pessoa segura de si, que não demonstre medo, e que passe certeza.
Tanto que, afirmou Freud que “A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela”, e que “os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Ela vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma fala”.
Isso explica o porquê de as massas serem facilmente movidas por oradores, pela poesia, pela música, e principalmente pelos sentimentos inconscientes. E com isso, Freud consegue responder aos críticos que apenas veem na psicanálise uma disciplina restrita aos conflitos individuais dos sujeitos, esquecendo do viés coletivo da psicanálise e a psicologia da massa.
Principalmente na era digital, há cuidados que, por aplicação desse conceito freudiano precisam ser previstos, pois facilmente pode surgir um líder com a ideia que seja a mesma para determinado grupo, ou para vários interesses particulares, e no interesse de cada um o tomam como liderança, mas agindo à sua maneira. Assim, simultaneamente se valerão do álibi de grupo, fazendo com que a subjetividade prevaleça. E no sentido do anonimato, para a não responsabilização, os interesses pessoais passam a ser amparados por uma tela protetiva (grupo).
No contexto brasileiro, há que ser observado, também, que desde o intitulado “descobrimento” o indivíduo vive constantes conflitos sociais, que não são resolvidos com a aplicação de modelos externos. Para este, a teoria marxista e o modelo capitalista mundial precisam ser repensados, pois diferentes culturas fundaram esse povo, único no mundo, que vive uma democracia de perfil multifacetado, e que a difere das demais democracias do mundo.
Tanto, que no Brasil diversas teses[7] defendem há tempos que a lógica capitalista não favorece a educação da classe trabalhadora, que são os integrantes das camadas mais baixas da população, e que não possuem acesso a um modelo hegemônico de educação, e não a legitima à outras formas de transmissão cultural, excluindo-a da camada do aprendizado e do desenvolvimento efetivo.
E assim, ao pesquisarmos o saber psicanalítico aplicado na "Psicologia das Massas e Análise do Eu”, descobrimos que, em relação ao indivíduo brasileiro, há algo de original na acepção da palavra grupo, e que ultimamente tem passado despercebido no plano do consciente, mas de firme aplicação inconsciente como pressuposto psicanalítico de uma revolução social, cultural e política, pós movimentos sociais.
Veja que, a história brasileira explica a formação de um inconsciente coletivo originado de 3 milhões de nativos índios, cuja revolução se iniciou há pouco mais de 500 anos, a partir da chegada de pouco mais de 1000 homens, culturalmente formados de marinheiros, escrivães, cozinheiros e padres portugueses, que saíram de Portugal e transformaram essa terra em uma nova nação[8].
Desde então, o Brasil é berço e palco de histórias de descendentes de índios, portugueses, espanhóis, escravos, e mais tardiamente, de imigrantes do resto do mundo, todos movidos por uma economia explorada, visada por investidores internacionais. Este fato formou o inconsciente coletivo do brasileiro, um reservatório de imagens e arquétipos[9] de cada uma dessas pessoas, com a herança de anseios ancestrais.
Desse modo, a história explica que os conflitos sociais atuais representam uma fase de revolução no contexto social brasileiro, revolução que é movida por diversos fatores culturais, de um ser natural, com vontade bruta inconsciente de desbravar, trabalhar e vencer dificuldades em um novo mundo, através das suas experiências únicas.
Portanto, o brasileiro pode até não se lembrar das imagens de forma consciente, mas herdou a predisposição para reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam, representando o caos, e os padrões de comportamento associados aos seus personagens históricos, no papel social dos seus antepassados.
É a revolução que vê nos conflitos sociais atuais no Brasil decorre da vontade inconsciente de cada grupo que se forma, e se liberta a partir das descobertas sobre a mente e condições humanas. Resulta no encorajamento inconsciente daqueles que, apesar de se verem como frágeis e de camadas mais baixas da sociedade, na sua essência se fortalece pela união em grupos, com a digitalização dos contextos educacional, cultural e social.
Referências Bibliográficas:
FREUD, S. (1921). Psicologia das massas e análise do ego. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund. Freud. v. 18. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 89-179.
Direito e cuidados necessários à privacidade. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/71/edicao-1/direito-a-privacidade>
KARNAL, Leandro. Os textos de fundação da América: a memória da crônica e a alteridade. Ideias, n. 1, v. 11, Campinas, p. 9-14, 2004.
Década de 1920, anos loucos. Disponível em: <https://ensinarhistoria.com.br/decada-de-1920-os-anos-loucos/>
DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. Tradução de Margarida Garrido Esteves. In: DURKHEIM, E. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 73.
Não há capitalistas no Brasil, mas pré-capitalistas preguiçosos. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/nao-ha-capitalistas-no-brasil-mas-pre-capitalistas-preguicosos/>
Tese de crítica do modelo de ensino capitalista no Brasil. Disponível em: <http://www.usp.br/aun/antigo/exibir?id=5755&ed=1019&f=5>
Descobrimento foi, na verdade, uma invasão à terra dos índios. Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/vestibular-e-educacao/noticia/2013/10/descobrimento-foi-na-verdade-uma-invasao-terra-dos-indios.html/>
[1] FREUD, S. (1921). Psicologia das massas e análise do ego. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund. Freud. v. 18. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 89-179, também editada: Psicologia das Massas e Análise do Eu. [2]Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/71/edicao-1/direito-a-privacidade> [3] KARNAL, Leandro. Os textos de fundação da América: a memória da crônica e a alteridade. Ideias, n. 1, v. 11, Campinas, p. 9-14, 2004. [4] Disponível em: <https://ensinarhistoria.com.br/decada-de-1920-os-anos-loucos/> [5] DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. Tradução de Margarida Garrido Esteves. In: DURKHEIM, E. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 73. [6] Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/nao-ha-capitalistas-no-brasil-mas-pre-capitalistas-preguicosos/> [7]Disponível em: <http://www.usp.br/aun/antigo/exibir?id=5755&ed=1019&f=5> [8]Disponível em: <http://g1.globo.com/pernambuco/vestibular-e-educacao/noticia/2013/10/descobrimento-foi-na-verdade-uma-invasao-terra-dos-indios.html/> [9] Representação de padrões de comportamento, associados à um personagem ou papel social.