Interpretação dos Sonhos em Psicanálise
Os sonhos, quando submetidos a uma análise a partir da teoria do inconsciente, revelam uma lógica própria capaz de desvelar toda a sua suposta coerência e de nos indicar suas múltiplas possibilidades de sentido. O que Freud defende como tese central em sua teoria é que as aleatoriedades que acontecem nos sonhos não são ilógicas e que são delimitadas pelo próprio psiquismo. Sendo assim, a interpretação dos sonhos permite a reelaboração do conteúdo manifesto em conteúdo latente.
As imagens manifestas são o sonho contado pelo paciente, na maioria das vezes, aparecem como ideias desconexas e, em poucas oportunidades apresentam uma sequência lógica. Num primeiro momento essas imagens podem não significar algo que o aproxime da realidade vivida no dia anterior ou em outros momentos da vida. A função do sonho ou a elaboração onírica, então, é fazer a passagem das sensações inconscientemente sentidas para serem manifestas durante o sono como espécies de delírios. Rapidamente, podemos dizer que o conteúdo latente é inconsciente e o conteúdo manifesto é consciente.
Cito um exemplo que me foi exposto na clínica dias atrás: o paciente X estava com um forte desejo de sair à noite, mas com o evento da pandemia de COVID-19, ele foi proibido de dar seus passeios noturnos. Nesse caso, imaginem, com o que ele sonhou? Estava a caminhar pelas ruas. Mas ele não conseguiu fazer essa relação que foi percebida durante a sessão no dia seguinte. Um outro exemplo me foi exposto por uma paciente que estava insegura com algumas situações cotidianas e sonhava que o pai a levava para algumas festas, e, durante o sonho, ela descarregava a sua insegurança naqueles cenários compartilhados na segurança que o seu pai, já falecido, à passava.
Esses processos possibilitam não somente a interpretação das especificidades dos próprios sonhos, como também as interpretações da psicanálise em geral. Freud afirma os sonhos como realizações dos desejos inconscientes, resultantes do que ele denomina um processo primário. Acrescento que os sonhos também decretam e constituem não somente desejos reprimidos, como é pensado comumente, mas também a realização do papel de completar as satisfações e prazeres ocorridos em momentos passados. Logo, o que acontece é a movimentação dos conteúdos vividos no estado de vigília, quando estamos acordados, para a deformação da lógica linguística num processo secundário, que é o estado do sonho.
Esse movimento dos conteúdos da vigília para os conteúdos do sonho (geralmente deformados) acontece devido às censuras. Novamente exemplifico: numa primeira sessão o paciente descreve um sonho em que presenciou ou participou de um tiroteio. Muito provavelmente ele está inseguro com alguma situação que lhe oferece perigo ou está com o desejo de morte acentuado. Não significando necessariamente que ele queira assassinar alguém ou suicidar-se. Somente com as decorrentes sessões poderemos chegar juntos: analista e analisando, pelo processo da transferência, numa condição de entendimento do que está acontecendo.
Digamos que o processo secundário que ocorre durante o sono modifica os conteúdos do processo primário do estado de vigília. Essas deformações camuflam os desejos realizados nos sonhos, fazendo com que, num primeiro momento: o conteúdo manifesto, as imagens, os sons, as palavras, as pessoas sejam quase que indecifráveis e indistinguíveis. Contrariamente ao descrito por pseudociências ou charlatões de que o sonho predetermina um futuro próximo ou distante, a psicanálise demonstra que o sonho realiza ou substitui a vontade de realização de um desejo recalcado. Assim como os atos falhos e chistes por exemplo. Frustrações. Os sonhos representam a conjunção do consciente com o inconsciente e vice versa.
Os sonhos são mensagens que levam a pensar o não pensado e assim ao entendimento do vivido. Para além da manifestação de conteúdos recalcados, da realização de desejos e dos caminhos para o inconsciente, o sonho pode representar inúmeros benefícios para o corpo. O sonho é responsável por exemplo pela manutenção do sono e do repouso.
As rupturas propostas e realizadas por Freud refletem ainda nacontemporaneidade. Elas operam de acordo com o desejo inconsciente e a organização da linguagem. A abordagem dos sonhos deve verificar que, há neles, textos e características da linguagem, logo, os sonhos são também sistemas de linguagens que significam acontecimentos da vida. É na realização dos sonhos que podemos encontrar o enlace entre as pulsões e as representações.
Freud afirma que a fantasia não é algo a ser desconsiderado como simples devaneio a ser desfeito. Nossa realidade psíquica e a formação do inconsciente tem efeitos na vida que compõem modificações na estrutura dos organismos e interferem na clarividência que temos dos ambientes e os aspectos que os circundam. Dessa maneira, o sonho e o inconsciente são dois conceitos da teoria freudiana que caminham juntos, sendo o sonho uma das estratégias para dar ao indivíduo o mapeamento da melhor emancipação diante de si mesmo.
Por Marlon Nunes Silva
Professor, escritor e psicanalista formado pela ABRAFP